A picada da aranha armadeira pode provocar, nos homens, o
priapismo. Trata-se de uma ereção involuntária e dolorosa que, se não
for tratada, pode levar à necrose do pênis em alguns casos. No
laboratório, porém, cientistas da Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG) e da Fundação Ezequiel Dias (Funed) mostraram que o veneno desse
aracnídeo pode ser manipulado em favor da saúde e levar a um novo
medicamento para disfunção erétil, com algumas vantagens em relação aos
já existentes no mercado. A biotecnologia desenvolvida já foi licenciada
pela empresa Biozeus, que dará sequência ao projeto.
De origem sul-americana, a aranha armadeira é bem
distribuída no sudeste brasileiro, tanto em áreas rurais como em áreas
urbanas. Conhecida cientificamente como
Phoneutria nigriventer,
ela é também chamada popularmente de aranha-de-bananeira por ser
constantemente encontrada em cachos de bananas. Seu veneno é
extremamente potente e pode provocar a morte de pequenos mamíferos. A
picada em humanos não é incomum.
Segundo dados preliminares do Ministério de Saúde, o país
registrou no ano passado 171.576 acidentes com animais peçonhentos. A
maioria dos casos estão relacionados com escorpiões. Foram 90.026
registros. Os episódios com aranhas vêm em segundo lugar e envolvem
28.799 notificações, das quais 14% se relacionavam com a aranha
armadeira. A maioria dos acidentes ocorre quando a espécie se esconde
entre entulhos ou busca abrigo nas residências, misturando-se às roupas e
aos sapatos.
A
pesquisa da UFMG e da Funed teve início há mais de dez anos, quando a
molécula responsável pelo priapismo – a toxina PnTx(2-6) – foi isolada
do restante das substâncias do veneno. Os primeiros estudos buscaram
mostrar o processo pelo qual essa molécula levava à ereção. A toxina
mostrou atividade nos canais para sódio, que são altamente distribuídos
pelo organismo e presentes, por exemplo, no sistema nervoso e nos
músculos do coração.
“Nós começamos a estudar qual a parte da toxina atuava
nesses canais, para que pudéssemos removê-la. Ao final, dos 48 resíduos
de aminoácido que compõem a toxina, nós selecionamos um grupo de 19
aminoácidos e eliminamos o resto. E a partir desse estudo, pudemos
sintetizar o peptídeo PnPP 19. Aí, já não era mais a molécula do veneno.
Era outra molécula produzida em laboratório”, explica a pesquisadora
Maria Elena de Lima Perez Garcia, do departamento de química e
neurologia da UFMG.
O peptídeo PnPP 19 foi testado em ratos, onde foi verificada
a ereção sem os efeitos indesejados. “Para nossa surpresa, ele não
mostrou toxicidade nenhuma nos animais. E também não foi imunogênico,
isto é, o organismo não produziu anticorpos contra a substância.
Observamos que não houve nenhuma outra alteração no tecido do pênis além
da ereção. E também não houve ação nos canais para sódio no restante do
organismo”, relata Maria Elena.
Medicamentos
Os testes com a nova molécula vêm sendo conduzidos pela
pesquisadora Carolina Nunes Silva, que desenvolve seu doutorado em cima
da pesquisa. Ela acredita que um medicamento com base no peptídeo, por
ter um mecanismo diferente, poderia atender pacientes com
contraindicação aos que hoje estão em circulação, como o Viagra ou o
Cialis.
“O grande problema do Viagra é que ele não pode ser usado
por pessoas que tem problemas cardiovasculares. E, pelo que vimos, um
medicamento a partir do peptídeo não teria esse problema. Nós fizemos
testes isolados nos corações dos ratos e também em canais pra sódio
expressos exclusivamente no miocárdio e não foi observada nenhuma ação”,
diz a pesquisadora. Ela avalia ainda que é possível imaginar
medicamentos que combinem as duas drogas. “O efeito aditivo pode atender
a pacientes que não sejam tão responsivos ao Viagra”, acrescenta.
Resultados mais recentes mostraram que o peptídeo estimulou a
ereção em ratos com diabetes ou hipertensão, enfermidades que podem
provocar a disfunção erétil. A molécula também não provocou alteração na
pressão arterial dos roedores. Essa é uma boa notícia para muitas
pessoas diabéticas e hipertensas com contraindicação ao Viagra ou ao
Cialis, pois são medicamentos que podem amplificar a vasodilatação e
levar a quedas acentuadas e perigosas da pressão arterial.
Um medicamento a partir do peptídeo PnPP 19 possivelmente
não geraria esse efeito indesejado. “Os avanços da pesquisa nos animam.
Quando começamos os estudos, era mais pela curiosidade em entender a
farmacologia do veneno. Pela toxicidade da substância, não imaginava que
íamos chegar a um medicamento e hoje estamos caminhando nessa direção.
Confesso que foi praticamente um golpe de sorte, porque quando passamos a
trabalhar com os 19 aminoácidos, a molécula deixou de ser tóxica e, ao
mesmo tempo, continuou ativando a ereção sem nenhum efeito secundário.
Tem uma dose de conhecimento, mas também uma dose de sorte”, diz Maria
Elena.
Patente
A UFMG detém a patente da biotecnologia que desenvolveu o
peptídeo PnPP 19. Em dezembro de 2016, foi feita a transferência de
tecnologia para a Biozeus, que passou a ter os direitos de exploração da
molécula. A empresa, que existe desde 2012, promove a articulação entre
as instituições científicas e as indústrias farmacêuticas.
“Nós mapeamos estudos com potencial para gerar fármacos que
atendam a uma necessidade médica global. E fazemos os ensaios que podem
comprovar a viabilidade do produto. A indústria hoje busca minimizar
riscos. Então, ela evita realizar as primeiras fases dos testes, que
envolvem uma aposta financeira alta. Atualmente, ela prefere licenciar
projetos mais desenvolvidos. Aí, entra a nossa empresa”, explica Perla
Borges, analista de projetos da Biozeus.
Alguns testes mais complexos e mais caros estão sendo
realizados no exterior. Se as etapas ocorrerem dentro do esperado, o
produto pode chegar ao mercado em 2023. Os ensaios pré-clínicos com
animais levariam mais dois anos. Os testes clínicos com humanos
demandariam aproximadamente quatro anos, parte deles desenvolvidos pela
Biozeus e outra pela indústria que vier a se interessar pelo remédio.
A Biozeus está estudando a melhor formulação. Uma das
possibilidades é o desenvolvimento de um medicamento para aplicação
tópica, como pomada, gel, creme ou adesivo. Testes preliminares na UFMG
mostraram que a aplicação do peptídeo na pele dos ratos provocou ereção.
Um remédio com essas características, além de reduzir bastante os
riscos de efeitos adversos, pode obter uma tramitação mais rápida nos
órgãos de saúde.
Fonte: Acredite ou não